GESTÃO E COMANDO DE POLICIAMENTO MUNICIPAL. PALESTRA

Palestra

“Gestão e Comando de Policiamento Municipal: Os desafios da lei 13022/2014 e sua aplicabilidade como ferramenta de gestão nos processos de planejamento de segurança das cidades[1]”.

João Alexandre dos Santos[2]








I.          Introdução.

                  Primeiramente externo aqui o meu agradecimento ao nosso soberano Deus que por sua infinita misericórdia permitiu que nos levantássemos por mais um dia, confirmando assim em seu coração, que há um propósito sagrado em nossa existência sobre a terra. Que isso fique gravado de forma indelével em nossas mentes e corações. A Ele toda a glória!
                Seguidamente agradecer ao convite formal desta corporação policial municipal a qual, preocupada com a necessidade de exercer as necessárias reflexões filosóficas, sociológicas, administrativas e educacionais nos proporciona neste encontro, o qual somado às demais instruções já realizadas ou porvir, farão com que o vosso Estágio Anual de Aperfeiçoamento Profissional (EAAP/2017) seja algo de grande valia na caminhada que os senhores realizarão como operadores ou gestores de policiamento na sociedade do século XXI.

                Finalmente, agradecer ao GCM ALBERTO MOREIRA e a GCMF MARIA DO CARMO CARLOS PACHECO respectivamente Encarregado de Atividades Educacionais e Coordenadora do Setor de Ensino, que pela dedicação desmedida, empenho, responsabilidade e compromisso com a qualidade de vossa formação e aprimoramento, me proporcionaram a vinda para esta singela troca de conhecimentos. Em nome deles cumprimento a todos os integrantes desta instituição policial.

                Que Deus conduza os trabalhos e nossas 
vidas neste dia.



II.        Gestão de Segurança Pública e seus desafios na sociedade contemporânea.
               
                A realidade brasileira em matéria de segurança pública é muito complexa para aqueles que a operam ou procuram administra-la. A começar pelo próprio ordenamento jurídico maior (Art. 144 da CF/88) o qual, apenas valida a existência e competência de órgãos policiais sem dar-lhes um comando de eficiência central como prevê o parágrafo § 7º de nossa Lei Maior.
                Seguindo uma pálida legislação existente e se auto regulando para sobreviver ou manter interesses e reservas legais de poder, esses órgãos criados e não submetidos a um sistema de gestão eficiente e harmônico atuam perigosamente de forma desconexa, sobreposta, concorrente e desleal, resistindo de todas as formas a qualquer proposta de integração, fusão, compartilhamento de informações, cooperação, modernização, transparência ou submissão a controles externos formais ou sociais.
                Antes, procuram de forma insana, escolher as trincheiras do atraso e da resistência ao moderno, do que caminhar ao encontro do racional. Tentam postergar o inadiável e evitar o debate com o pensamento crítico e seus interlocutores os quais, buscam condições de melhoria, qualidade, estruturação, adequação e modernização de um modelo que necessita ser repensado urgentemente. A soberba e o orgulho disfarçados de tradicionalismo ou independência operativa, aliados à falta de uma visão sistêmica e de um real compromisso com a sociedade por parte daqueles que habitam o topo das pirâmides institucionais policiais dificultam, impedem, debocham e de forma cínica e totalmente irresponsável, postergam como podem a possibilidade do estabelecimento de um pensamento moderno e reformador sobre o modelo posto e a maneira rudimentar como se conduz a gestão policial no Brasil.
                Tais seres gemados ou de classes especiais, em troca do status quo, tornaram-se vergonhosamente “administradores-fantoches” de falidas políticas de governo as quais, muitas delas já reveladas ineficazes, ilusórias e distantes da realidade e necessidades do povo, não passam de fumaça ao vento.
                Como burocratas cartorários cordiais, passivos e subservientes, abdicaram vergonhosamente do juramento de servir e proteger no sentido amplo e filosófico do que tão nobre lema significa. Contentam-se apenas, em trabalhar as duvidosas estatísticas (as quais buscam apenas revelar ou esconder aquilo que o poder dominante deseja que a sociedade saiba), sendo cúmplices e partícipes de um caos social crescente e quase irreversível.

                A entrada de nossa sociedade no século XXI nos colocou como reféns dos fenômenos decorrentes do processo de globalização os quais aliados a insaciável, voraz e impiedosa ação destruidora do capitalismo, perpetram e solidificam fenômenos como: (i) modificação da estrutura do conceito político e jurídico de soberania e de Estado, (ii) domínio crescente e predatório do capital sobre todas as operações da sociedade incluindo as leis e os governos, (iii) consolidação do imperialismos das nações líderes e de suas marcas, (iv) surgimento das economias criminosas organizadas: tráfico de drogas, armas e seres humanos (agora não mais como ações isoladas, mas sim com operação mundial em rede), (v) exclusão social crescente, (vi) aumento da miséria e da pobreza, (vii) fome, (viii) violência urbana, (ix) guerras privadas encomendadas, (x) imigração e migração, (xi) desestruturação das formas de regulação e controle, (xii) aumento do desemprego e da possibilidade de reinserção do trabalhador ao mercado de trabalho, (xiii) eliminação do ser humano pela via do encarceramento em massa, (xiv) enfraquecimento das malhas protetivas da sociedade, etc.

               A gestão policial deixou de ser para o legislador, gestor e operador uma ação reducionista pautada apenas em aumento de efetivo, armas e viaturas e se posiciona no campo das ciências jurídicas, sociais, criminológicas e econômicas se constituindo também como uma ciência policial de segurança, ordem pública e de defesa social[3] a qual deve buscar respostas qualificadas aos fenômenos existentes em especial, aqueles que se constituem ou produzem fatos que sejam de interessa das polícias de forma geral.
                     
III.       “Gestão” e “Comando” de policiamento nos municípios brasileiros em face da realidade atual da segurança pública brasileira e da anomia jurídica dominante.

              Este tema para mim é um pouco caro, pois em razão de sustenta-lo em diversos seminários, palestras e audiências públicas sobre Guardas Municipais e a municipalização da segurança pública por todo o Brasil, possibilitou a formação de uma forte corrente oposicionista ao pensamento científico que defendo. A oposição é tão ferrenha que chegou-se ao ponto de execução de ações anônimas difamatórias, desqualificadoras e ofensivas tanto à minha pessoa, quanto as entidades que represento academicamente, tentando afastar a linha de pensamento educadora, libertadora, profissionalizante e científica as quais tentamos a elas conectar a ala pensante das Guardas Municipais.

               O fato é que se acreditamos que pelo formato federativo que nosso país hoje se apresenta, a Guarda Municipal é o modelo de polícia mais próximo do ideal para o fornecimento de respostas qualificadas aos fenômenos acima elencados e a outros que certamente surgirão do convívio em sociedade, ela deve abrir mão de ser uma cópia do modelo oferecido pela polícia ostensiva estadual; devendo obrigatoriamente, doa a quem doer e incomode a quem incomodar, repensar sua forma de gestão, filosofia, doutrina e relação com a sociedade, pois ela parou de fazer e hoje trilha o caminho inverso.

               A fala que incomoda aos seres dominantes da instituição (sejam eles pessoas físicas, entes políticos ou sindicais), ao guarda inculto, acéfalo, autista, desprovido de preparo gerencial e de capacidade de comando e principalmente aos ilustríssimos “facas nas caveiras” é que para onde estão conduzindo a instituição e seus ciclopes comandados, parece caminho do bem, mas são certamente caminhos de morte. Afirmo isso com total segurança, pois tal estrada em que algumas Guardas Municipais se colocaram irá conduzi-las aos mesmos precipícios onde já despencaram as demais polícias e caminhar por aqui não é ato de sabedoria.
               Talvez alguns dos senhores ouçam falarem mal deste velho cidadão comprometido com a segurança pública municipal e que por razões óbvias, não posso deixar de defender aquilo que penso e acredito, pois se disso desistir permitiremos que as futuras gerações de gestores e comandantes sofram da síndrome de subserviência ao inexistente.

                Certamente as alas radicais, autistas e detentoras de interesses políticos e manipuladores do seguimento azul marinho, que nada escrevem, plantam ou constroem, continuarão tentando apagar a luz que procuramos acender sob este modelo arcaico dominante. Modelo este que procura manter ainda sob o manto escuro do improviso, do senso comum, da escravidão pelos cargos políticos comissionados, do mito ilusório da caveira, da porrada e das bombas e tendo como ultrapassada e reprovável deontologia para sua gestão corporativa a reatividade tardia, o uso inadequado da força, e a ação repressiva desqualificada e ineficaz; contaminando o puro e valioso DNA da polícia cidadã que inegavelmente pertence às Guardas Municipais, tentando transformá-la em uma cópia muito rudimentar dos fracassados modelos de polícias já existentes.        
               
               Quando os senhores aqui presentes se conectarem ao pensamento científico e se permitirem exercer o olhar crítico para as questões aqui apresentadas, exercício estes desprovidos de preconceitos, medos ou de limites mentais pré-estabelecidos, serão então os artífices das ferramentas que forjarão as chaves que abrirão as algemas que hoje os aprisionam.

               Como farão isso?

                Apenas se tiverem a capacidade de abrir os olhos e enxergar. De começarem a pensar não como um escravo, mas como profissionais livre que são. Um cargo, gratificação, gestão política, sigla partidária ou o status não pode permitir que a sua personalidade de líder transformador, seja ofuscada ou até apagada.

               Se começarem a buscar através do conhecimento científico o desenvolvimento de novas competências e habilidades as quais, certamente irão moldar em cada um dos senhores, um conjunto de atitudes inovadoras, ousadas, corajosas que se devidamente sistematizadas, catalogadas e transformadas em princípios de gestão corporativa farão a virada que tanto precisamos em relação ao modelo de segurança pública vigente.

                 Precisamos como nunca de homens capazes de pensar mais processos de revolução e menos mecanismo de golpes, pois uma revolução deve ter como visão trazer benefícios para todos enquanto os golpes, apenas produzem a possibilidade de privilégios para alguns.

                Para concluirmos, os conselhos que deixo aos senhores são os seguintes:

§  Que os senhores procurem se afastar do velho modelo rançoso e embolorado de “administração” que hoje impera na maioria das Guardas Municipais, os quais apenas se limitam a copiar e colar ações, manuais, símbolos, filosofias, doutrinas, nomes, cargos de outras polícias. Inovem e ousem colocar em prática novas experiências de policiamento os quais estejam além das cópias baratas e ultrapassadas;

§   Que os senhores se debrucem sobre a legislação federal a qual lhe serve como Estatuto (Lei 13.022/2014) e procurem esmiuçá-la por inteiro e enxergar a riqueza de oportunidades que nela há, que atentem à competências geral, os cinco princípios mínimos de atuação e as dezoito competências específicas, que tal norma trouxe para vossa instituição, transformando-a não em uma ROTA ou BOPE azul e sim em uma polícia líquida, formatável garantidora das liberdades públicas e protetora dos Direitos Humanos;

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§  Que os senhores compreendam que as armas, boinas, braçais, coletes e viaturas, são apenas acessórios, os quais por si só não impõem medo algum ou constroem respeito perante a sociedade. O que de fato constrói o respeito é a admiração surgida através da construção de um relacionamento confiável e transparente com a comunidade a que se serve;
  
§  Que os senhores compreendam que não adianta nada transitar pela cidade, embarcado em viaturas do ultimo tipo, ostentar uniformes garbosos, possuir o peito cheio de brevês, bolachões e manicacas, usar boina preta com distintivo na testa, braçal brilhoso com letras douradas, possuir um bigode grosso, circular de viatura com a cara feia e com o braço para fora, portar uma pistola .40 com 2 carregadores, ter fuzil ou metralhadora, se os seus procedimentos são falhos e questionáveis, sua doutrina é fraca e os mecanismos de controle são frouxos ou inexistentes, se não há comando que se firme pelo exemplo, se o efetivo se encontra desacreditado, desunido, sem liderança, sofridos e surrado por falta de condições de trabalhos justas e dignas, salários defasados, sem carreira ou sequer possuir as mínimas garantias formais que são diretos de todo trabalhador;

§  Que os senhores tenham a plena consciência de que as divisas sob seus ombros, dadas pelo poder político lhe serão imediatamente retiradas assim que o dominador entender que você não serve mais como capacho ou fantoche. Melhor viver de cabeça em pé como um servidor digno do que em troca das divisas políticas viver rastejando como um verme ou um mordomo que Iambe a sola do sapato de quem tem o poder. Portanto, lute por um plano de carreira que lhe garanta algo que ninguém possa lhe subtrair e ainda lhe preserve a dignidade como servidor policial é melhor ser um GCM estável do que um comandante passageiro;

§  Que os senhores compreendam que o seu cargo comissionado é temporário e que a gratificação que te pagam não pode comprar a sua moral, honra e lealdade aos seus pares e comandados;

§  Que os senhores compreendam que a sua omissão, silêncio, conivência e condescendência com coisas erradas irão muito em breve recair sobre você e sua instituição. Mude de comportamento hoje;

§  Que os senhores saibam se afastar da politicagem barata das cidades e saiba atuar firmemente no processo político formal democrático e renovador. Atuando na construção de planos de governo que abarquem propostas inovadoras para a gestão de segurança pública de sua cidade e que valorize seus pares;

§  Que os senhores não se deixem ser manobrados por lobos vestidos de azul ou de qualquer cor que pregam o separatismo, a rixa, a discórdia, a desunião, que joguem a sua instituição contra as outras e que pregue que tudo o que vocês precisam só vocês podem fazer sem depender de ninguém. Todos nós precisamos um de outro para complementar nossas fraquezas. Fujam dos discursos autistas mesmo que eles nasçam dentro de sua própria casa;

§  Finalmente, que os senhores entendam e transmitam aos outros que a mudança que queremos no mundo começa em nós.

               A anomia jurídica existente no atual cenário de segurança púbica, que aponta para uma grave crise para as polícias estaduais, ao mesmo tempo pode se transformar em uma grande oportunidade para as Guardas Municipais considerando as permissividades trazidas pela Lei 13.022/2014 (EGGM) e sua complementação nos aspectos do poder de polícia administrativos que podem ser construídos por lei municipal. 

                  Há um grande oceano azul de oportunidades em meio a toda essa crise, mas para que isso possa ser objeto de mudanças e de reversão do quadro, necessitamos mais do que nunca de homens e mulheres leais, dedicados, comprometidos, participativos e com visão de futuro.

                  A gestão da segurança em breve será entregue aos municípios e isso exigirá que a Guarda Municipal, como polícia de fato e de direito que é, tenha á sua frente não um grupo de oportunistas e assediadores e sim líderes capazes de fazer o que de fato necessita ser realizado.

                  Que Deus nos permita ver este dia chegar e presenciarmos juntos esta vitória.

                  Sucesso a todos os senhores e senhoras, liderança viva desta instituição.





[1] Palestra proferida em 19/09/2017 aos GCM graduados da Guarda Civil Municipal da Cidade de Itu – SP alunos do Estágio Anual de Aperfeiçoamento Profissional (EAAP/2017) através da iniciativa e convite formal da instituição expedido por seu Departamento de Ensino.
[2] Educador Policial “Multiplicador” do Programa de Educação Policial Continuado (PEPCEx)®. Pesquisador convidado do Centro de Pesquisa e Pós Graduação (CPPg) das Faculdades Integradas IPEP®. Coordenador Acadêmico do Centro de Estudos e Ensino em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESDH) ® Membro Profissional associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Membro Acadêmico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Membro associado à Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). Membro Honorário da International Police Association (IPA) – Secção São Paulo. Professor convidado do Grupo de Extensão e Pesquisa em Criminologia (GEPCrim-FIG). Consultor Técnico do Programa Ciências Policiais em Foco (TV CINEC). Contatos: academico@cesdh.com.br | Programa PEPCEx® disponível em: www.pepcex.com.br

 [3] Hoje discutimos com os demais educadores policiais do Programa PEPCEx® no CESDH® como também no PPg das Faculdades integradas IPEP este conceito acadêmico na Pós Graduação Lato sensu em Ciências Policiais, Segurança e Ordem Pública (vide www.pepcex.com.br)  



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